Maria Amélia Mano
Ando
sempre com um caderninho, nos caminhos, nas experiências e viagens. É coisa
antiga, analógica, eu sei. Talvez inútil. Mas guardo meus caderninhos de
anotações como tesouros. Escolho com cuidado um para cada aventura.
Parte
dos textos que fiz sai das páginas dos caderninhos. Parte sai de e-mails que
mando a mim mesma. Essa é a verdadeira correspondência pessoal. Mais pessoal,
impossível. Tudo são cartas a mim mesma, sim, para não esquecer do que me fez
vibrar, chorar. Para poder compartilhar depois e tentar produzir no outro, o
que lê, uma emoção parecida.
Mas
não é que perco meu caderninho especial, de capa de folha de bananeira.
Artesanal. Comprado na feira. Folhas sem pauta, marrom. Papel reciclado.
Gostoso de andar. Reservado pra tempo especial. Cheio de desenhos, sentimentos,
pequenas palavras juntas em semente de poesia, quem sabe...
Procuro
na casa de amiga. Pergunto. Nada. Na minha casa bagunçada onde as coisas se
escondem, vezinquando. Viro e reviro. Sem sinal. Envio e-mail ao hotel que me
hospedei. Não lembro onde, quando. Tanta andança! Resolvo ir na empresa de
ônibus que trafeguei, por último.
Chego
na administração da empresa, na rodoviária. Dia de semana. Movimento. Correria.
Rampa e escada. As recepcionistas. Duas moças bonitas e cansadas com os rostos
encravados nos computadores. Pergunto:
-
Boa noite, gurias! Onde posso me informar de objetos perdidos no ônibus?
Elas
me perguntam de forma amável que tipo de objeto eu esqueci no carro. Respondo:
-
Então, nada de muito valor! É um caderninho com algumas anotações, desenhos e
poesias... Mais afetivo...
Como
um passe de mágica as duas moças de olhar cinza, erguem os rostos em um sorriso
de surpresa. Parece que eu tinha oferecido uma flor. Olhar parece que ganha alguma cor, eu vejo. Uma delas me olha até com
carinho e diz:
-
Tem valor sim!
E
me dá o número de um telefone. É do almoxarifado da empresa. Pede para eu ligar
em horário comercial. “Amanhã”, diz ela, como se fosse urgente e como se a
urgência fosse dela. E se despede com um “boa sorte!” e agradeço, saindo entre
sorrisos.
Sabe,
acho que o que faz sorrir as pessoas é essa lembrança do terno, do especial
“sem valor” de um caderninho perdido. Coisa antiga, eu sei, já disse. Mas por
isso mesmo. Todo mundo já teve um caderninho de segredos ou confissões ou só
pensamentos soltos e falar dele, assim, parece que devolve esse tempo de
páginas coloridas.
Sabe,
não é bom perder coisas preciosas. Mas foi bom dar uma iluminadinha no sorriso
das meninas, em um fim de dia de cansaço no meio do cinza da rodoviária, lugar
onde se passa, sem ficar. Lugar onde não se deve demorar. Lugar de partir e
chegar, esperar. Também, todo lugar é lugar de perder e de achar, nem que seja
uma lembrança do que tem realmente valor na vida.
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