Imagem capturada no Google. |
Ernande Valentin do Prado
O sargento Mendonça era
o terror dos recrutas do PELOPES e de toda a Primeira companhia. Era o zero 6
da Escola de Sargentos das Armas (ESA), posição muito difícil de alcançar. Nas
instruções de tiro de morteiro, por exemplo, tentava nos ensinar a fazer cálculos
matemáticos complicadíssimos, que ninguém conseguia entender. Na instrução de
rastejo, ficava em pé olhando e comandando, jogando lama nos soldados, enquanto
se mantinha com o coturno brilhando e a farda impecavelmente engomada, como só
o Caires conseguia, entre os soldados.
Aliás, farda engomada
rendia elogios aos soldados. Nas formaturas das manhãs do 30, o coronel em
pessoa ou quem estivesse no comando, passava revista na tropa e anotava em um
caderninho os soldados com a farda melhor engomada e os que estavam mal apresentados:
coturno sem brilho, barba sem fazer, cabelo sem cortar, fivela suja, farda sem
passar. Os bem apresentados eram elogiados no boletim e quem estivesse mal
apresentado poderiam até ser punidos, além de mencionados no boletim.
Fui participado por
estar com a farda engomada uma vez, mas tinha pegado a farda do Caires
emprestado, não lembro porquê. Ele, além de um dos atletas mais completos do
batalhão (só não aguentava correr) era tão bisurado que deixava uma farda
sempre pronta para as formaturas, depois trocava para não sujar. Às vezes
emprestava para companheiros em apuros e uma vez fui eu quem precisou e foi aí
que tive uma participação por elegância no desfile de modas do quartel (para
mim mais um símbolo da futilidade do EB).
Pelas atitudes, que muitos
consideravam pouco operacionais do sargento Mendonça, ele não era muito
estimado ou invejado pelos soldados. Todos reconheciam sua inteligência,
capacidade cognitiva, mas se tivessem que ir para uma batalha, ninguém o
escolheria como superior, alias apostavam que ele seria abatido na primeira
meia hora de luta. Atitude bem distinta tinha o sargento Borba, o zero 7 da
ESA, que executava cada uma de suas ordens e tinha um método totalmente
diferente para lidar com os soldados, ensinar o uso do morteiro. Borba, se
comandava rastejo por dentro de um chiqueiro, ia na frente, mostrado como
deveria ser. Essa atitude ética lhe dava muito respeito, até por quem, como eu,
desprezava a vida militar.
Uma vez, estando de
plantão na companhia, sargento Mendonça apareceu embaixo da rampa que dava
acesso ao primeiro andar e gritou:
- Plantão, diz para
descer um voluntário aqui, agora.
Olhei para os soldados
vendo TV e transmiti as ordens do sargento. Ninguém se mexeu, continuaram nos
mesmos lugares, evitando até respirar para não chamar atenção. Urgo e Marcão
levantaram e correram para o banheiro, silenciosamente, talvez prevendo o que
acabaria acontecendo.
- Plantão, não tem
ninguém aí?
- Tem, sargento, mas
ninguém é voluntário.
- Quem tá aí na sua
frente, fale o nome de um.
- Martins, senhor!
Martins olhou
imediatamente para mim, como quem diz: tinha que ser eu?
Respondo do mesmo
jeito, fazendo careta, como que dizendo: entrei em pânico e você estava mais
perto.
- Martins?
Grita o sargento.
- Senhor!
Responde o soldado.
- Vem aqui embaixo,
agora.
Martins saiu correndo
para tender o sargento. No meio da rampa o sargento grita:
- Já vem na marcha do
pato.
Martins, sem pensar,
dobrou os joelhos, levou as mãos na nuca e desceu a rampa, uma figura ridícula,
a famosa marcha do pato. Para mim esse tipo de ordem, marcha do pato, sempre
foi um exemplo da idiotice militar.
[Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às
6tas-feiras]
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