08 abril 2024

QUEM QUER PÃO

 

 


QUEM QUER PÃO

 

A avó já falava desde sempre que fazer pão em casa era como uma oração. Claro que era um exagero da vó, né? Mas com o passar dos anos, agora já avô de 3 crianças, resolveu aprender a fazer cosas de comer em casa. Viúvo, nem podia pedir à mulher pra dar este gostinho de comida caseira. Desde que enviuvara comia na rua ou na casa de um ou outro filho ocasionalmente. Tinha tempo de sobra para cozinhar. Fez experiência por conta própria e.. quase desistiu. A alquimia dos temperos na medida certa não foi intuitiva, catou livros de receitas e resolveu ter aulas via internet. Ria de si nas buscas de como fazer pesquisadas no Youtube, mas foi dando certo aos poucos até que resolveu fazer pães. Descobriu que era realmente como fazer orações, meditação, rezas, o que fosse. Vovó tinha razão.

Deu de fazer pães tijolinho, rodinha, bolinho, salgados, com frutas. Os netos passaram a pedir e comiam com gosto os pães do Vô Inácio.

Então passou a reunir filhos e netos para almoço e lanche de fim de semana, e dar de “lambuja” umas amostras das delícias para os vizinhos. Com o tempo começou a receber os vizinhos pra uma prosa e um lanchinho feito por ele, desenvolveu petiscos que fizeram fama no bairro. E volta e meia vinha alguém com mantimentos para fazerem juntos uma torta, um bolo, um pãozinho diferente, já que ousou inventar. Chegou a ser convidado para fazer pães num evento escolar e outro no clube de xadrez da vizinhança.

Quem diria que seguiria os caminhos da avó quituteira! Os irmãos até voltaram a conviver com ele trazendo receitas antigas. De verdade, ficou até mais ativo fisicamente. Afinal precisava gastar o tanto de coisa gostosa que comia...

                                                                                                          Maria Lúcia Futuro Mühlbauer

Escreve às segundas-feiras

22 março 2024

O DIREITO SAGRADO DO HOMEM DE BEM

 

Imagem capturada na internet.

Na cabeça de uma parte (bem grande de homens), talvez até de todo bolsonarista, como o Robinho, ex-jogador de futebol, bolsonarista e estuprador condenado na Itália há 9 anos de prisão por agressão sexual coletiva, o estupro é um direito do homem de bem e sempre culpa da vítima, sempre culpa da mulher, pelos seguintes motivos:

Primeiro, por ser mulher.

Segundo, por ser estuprável, o que quer dizer bonita, gostosa, como diria um ex-presidente inelegível e atual candidato a uma vaga permanente na Papuda.

Terceiro, por provocar. Todo homem (deste tipo) sabe que as mulheres provocam. Provocam quando estão de roupas curtas, porque é óbvio que saem de casa com a intenção de serem estupradas. Provocam quando estão de roupas longas, porque sabem que o candidato a estuprador vai ficar curioso sobre o que ela tem por baixo da roupa longa. Provocam quando saem tarde de casa, porque todo homem sabe que sai tarde de casa, e piora se beber, está pedindo para ser estuprada. Provocam quando saem cedo de casa, digamos, umas sete da manhã para ir trabalhar, afinal de contas elas sabem que não existe horário seguro para uma mulher sair de casa desacompanhada de um homem.

Quarto, porque é vontade de Deus que a mulher seja estuprada. Afinal de contas, se nem uma folha cai de uma árvore sem a vontade dele, como dizem os fiéis leitores da Bíblia, se Deus fosse contra o estupro, não a teria feito nascer mulher, não é verdade?

 

Ernande Valentim do Prado é anticorrupto, antejeitinho, 

porém é ainda mais antifascista, antimachão e antimilico 

e publica no Rua Balsa das 10 sempre que sobra um tempo.

04 março 2024

MEMÓRIAS DESPERTADAS

 

 

MEMÓRIAS DESPERTADAS

Uma amiga perguntou se eu tinha alguma lembrança de fatos ocorridos na travessia da Ponte Rio Niterói.  Foi um chegar de acontecimentos diferentes quase borbulhante.  Da vez que se mudaram da Tijuca para Boa Viagem, com o choro inconsolável das crianças, da vez que o vento balançava a pista, e da vez que o pneu do carro furou.

Quando estava cruzando a ponte para um almoço no Rio, na casa da mãe, o carro cheio com as cinco crianças entre 2 e 10 anos, uma cachorra e sua ninhada novinha e cheia de saudades do marido que viajava, escutou o chiado do pneu traseiro esvaziando. Logo depois do vão central parei o carro, coloquei a cachorra nervosa no banco da frente, recomendei que as crianças não se movessem do banco de trás e fui providenciar a troca do pneu. Retirado o triângulo e colocado distante da traseira do carro, passei a retirar o estepe, a chave de rodas e ao mesmo tempo vigiava as
crianças.  A ideia era colocar o macaco, soltar o pneu, e depois continuar para retirar o pneu furado... Mas a chave de roda não se movia, nem com o meu peso. Enquanto eu me via em apuros, parou um enorme caminhão atrás do carro, saltou o motorista com um grande cano de ferro na mão e se aproximou. Em minutos conseguiu soltar e trocar o pneu ao som dos gritos das crianças, os latidos bravos da cachorra. E eu tentando acalmar a tropa e contornar a balbúrdia, não vi o motorista ir embora. Nem pude agradecer!

 Até hoje a gratidão  fica no coração.

                                                                                                          Maria Lúcia Futuro Mühlbauer

Escreve às segundas-feiras

26 fevereiro 2024

AS ERVAS DO SEU LINO

 


AS ERVAS DO SEU LINO

 

Era uma vez... não, ficava parecendo conto de fadas como os começavam assim ou “No tempo em que os bichos falavam”... não, não, era outro o caso. Numa floreta... também não dava para começar assim pois o que ia contar, bom, não deixava de ser uma floresta, mas usualmente chamavam de mata: Mata Atlântica.

Então, um grupo de pessoas fazia uma caminha por uma trilha que cortava a mata. De certa forma era uma trilha que já havia sido uma pequena estrada que deixou de ser usada. Muito, mas muito tempo atrás, até passaram trens em parta daquela trilha. Mas como não era muito usada, a natureza foi tomando posse de seus espaços e arbustos, mato e árvores de crescimento mais rápido estavam beirando a trilha.  O grupo subia em alguns trechos e passava por pequenos córregos que ficavam como rios quando chovia. Dava mesmo para ver pequenas quedas de água descendo pelas pedras da montanha ao lado. Quando chovia era perigoso fazer a trilha pois os pequenos córregos viravam riachos com correnteza rápida e ser surpreendido por uma “cabeça d’água no meio da mata... não era boa coisa. Sem chuva, o grupo andava com certa destreza pela trilha. Os mais prevenidos levavam cordas, mosquetões, e até um conjunto de ferramentas. Nenhuma previsão de acampar ou ficar até escurecer. Era ir e chegar do outro lado numa jornada só.

Claro que nada é previsível e cursa como programado integralmente. Justo o guia, o mais experiente, torceu o pé numa pedra solta. Parada obrigatória bem no meio do caminho. Tanto fazia continuar como voltar. Tirada a bota, o pé ficou roxo e inchado na hora. O camarada estava visivelmente com muita dor. Ele mesmo enfaixou o pé desde os dedos até depois do tornozelo, como faria com qualquer outro. Buscou um pedaço de galho para fazer de muleta e recomendou que as paradas de descanso fossem encurtadas para aviar a caminhada. O grupo redistribuiu as cargas do guia e optaram por seguir em frente. Vai que o morador de uma casinha mais adiante, que vivia longe da dita civilização, tinha como ajudar.

Passada uma hora (o dobro do tempo que se levava fazendo o caminho), a marcha estava lenta, o grupo preocupado, o guia exausto e nada de casinha na beira da trilha. Pela previsão inicial, o total da trilha seria de 4 horas, e já tinha feito 3 horas de caminhada e não haviam chegado nem perto do fim. A se calcular pelo andar deles, tinham mais de  3 horas pela frente. Caminhar em ritmo lento cansava mais e duas das mulheres do grupo já estavam bem cansadas. Bom, ainda não eram 11 horas, não havia previsão de chuva, resolveram fazer uma parada para lanche e descanso de meia hora. Um dos mais novos do grupo, com seus 18 anos propôs ir mais adiante ver se achava a tal casinha. A conclusão foi que iriam 2 e caminharia meia hora e esperariam o grupo se não achassem nada. Munidos de apitos e com os celulares (nem todo canto ali tinha sinal) foram os dois escolhidos. O guia dormiu um pouco (cansaço e dor), o resto bebeu água, comeu fruta e uns sanduiches enquanto o fazia a pausa.

Retomada a trilha em menos de 15 minutos deram com os dois “exploradores” voltando. Acharam sim, a casinha, mas o morador avisou que na última chuva havia desbarrancado o trecho seguinte em 2 lugares e que seria preciso uma pequena escalada para ultrapassar as pedras caídas.  Sentaram-se para conversar e acabaram decidindo que seria mais prudente voltarem sem escalar, e lembraram que o morador ofereceu sua casa para deixarem o guia enquanto pediam resgate para ele. Estavam sem sinal de telefone desde antes do acidente, aliás, não usaram celular desde o início da trilha. O guia ficou receoso de deixar o grupo ir sem poder fazer contato. Na hora do entorse não reparou (grande falha) que seu comunicador por rádio frequência havia caído. Por fim aceitou ficar na casinha e uma das mulheres resolveu ficar também> os outros voltaram atentos para não se perderem e buscarem o tal comunicador.

Grupão de volta, guia e mulher cansada seguindo até a casinha ... meia hora de caminhada, o guia sem poder apoiar o pé e a mulher sem muito ânimo de andar. Dupla perfeita na lentidão. Foram recebidos com um sorriso desdentado e um aperto de mão de mãos calosas. Parecia que o “eremita” sentia falta de companhia. O cachorro vira-latas pretinho e magrinho não chegou a avançar, mas latiu um bocado. Depois que viu que os visitantes não se iriam tão cedo, deitou no vão da porta e ficou observando a conversa. Seu Lino, o morador isolado, passou um café e ofereceu umas mangas colhidas maduras. Buscou água fresca na “bica” perto da pedra e deixou numa moringa à disposição dos visitantes. Mas o intervalo de almoço dele tinha acabado e precisava alimentar as galinhas e ver a cabra se tinha parido, ia rapidinho e voltaria logo pois o terreiro da criação era logo ali. E voltou mesmo, com umas ervas na mão que macerou e ofereceu para colocar no pé do moço avariado. Desenfaixa o pé que estava mais roxo e ao ser desenfaixado parecia ter inchado ainda mais, faz um banho de ervas numa bacia meio quebrada e com água morna no início e água bem fria acrescentada (que a água da bica era geladinha) e deu uma melhorada boa. Aí, tasca saião, arnica e babosa numa pasta direto no pé e torna a enfaixar.  Parecia realmente que o seu Lino sabia das coisas. A dor não passou, mas só aparecia se apoiasse o pé ou mexesse um pouco mais. O guia até cogitou voltar caminhando, mas a mulher e seu Lino bateram pé dizendo que não carecia. Melhor esperar socorro. Claro que já estava mais preocupado, sabia que os “resgatistas” da cidade de origem estavam acostumados a buscarem pessoas perdidas. Ele mesmo já ajudara em algumas ocasiões. Uma maca com rodas grande e o caminho era feito no tempo justo. Mas já passava das 14h e não devia ter achado o rádio comunicador, então seria dado início do retorno à trilha só depois de chegarem à cidade. Deviam estar chegando se tudo estivesse certo. Seu Lino entabulou uma proza fácil com casos do mato, da sua vida solitária e dor resgates que viu. A preocupação do guia er evidente, mas a mulher estava amando os “causos”. Se tudo desse certo o grupo de resgata alcançaria a casinha do seu Lino depois das 16:30 e a trilha teria que ser terminada já no escuro, o que não era a melhor opção. Bom, a outra opção era dormir sob o céu da Mata Atlântica, na casa do seu Lino, que nem tinham visto por dentro.

Seu Lino foi preparam um “rango”, matou uma galinha e pegou umas batatas doces, umas folhas de taioba, orapronobis, e um pouco de manjericão. Depois de um tempo o cheiro era delicioso e a fome estava fazendo os estômagos roncarem Jantaram antes das 17:30 que depois que escurecia era difícil fazer as coisas. A iluminação era de vela feita em casa com limão, laranja, água e óleo. Já estavam procurando um canto para se acomodarem quando escutaram barulho no caminho. 3 homens apareceram com uma maca/cadeira de rodas no pátio. Cumprimentaram seu Lino com alegria, agradecerem por terem cuidado da dupla e rapidamente colocaram as coisas em ordem para o retorno. Sabiam que já estavam no limite por conta do anoitecer. Sorte que eram tempo quente ainda e o sol daria sua luz por pelo menos mais 1 hora. Partiram todos rapidamente, a mulher mais descansada no meio da turma. Depois de percorrerem quase correndo a trilha  por uma hora, a mulher já estava com 2 palmos de língua para fora e pediu para descansar. Resolveram sentar ela na maca cadeira junto com o guia sem nem mesmo perguntarem se queria e tornara a acelerar a marcha para percorrerem o máximo de espaço antes da escuridão.  Quando realmente ficou impossível ver à frente, duas lanternas foram acesas e o guia segurava uma à gente e uma outra ia com o último resgatista. Mais outra hora se passou até chegarem à cidade. Todo grupo, de banho tomado estava à espera. Imediatamente o guia foi conduzido ao serviço médico e a mulher foi para casa cansada e se prometendo que de mata, floresta, trilha e caminhada estava completamente “satisfeita”, nunca mais!!!

Só para saberem, o guia foi encaminhado para uma cirurgia para recompor ossos e ligamentos e passou quase 1 ano com fisioterapia para retomar suas aventuras. Acidentes acontecem, né?

 

                                                                                                          Maria Lúcia Futuro Mühlbauer

Escreve às segundas-feiras

 

19 fevereiro 2024

DE BALDE, CANECA OU CUIA


 

DE BALDE, CANECA OU CUIA

A tia Zefinha vivia falando que era um enorme esforço e debalde. Era uma referência até interessante pois tocava na vida familiar de uma forma bem “quente”. Ela se referia ao trabalho da irmã no intuito de tirar o vício de jogo do marido e do filho. Cada vez que tudo da casa era vendido (para depois ser comprado com o esforço das mulheres da família: mulher e filhas) as críticas chiavam como rastilho de pólvora e terminavam numa explosiva briga entre tios, avós, e sua mãe. As irmãs nem se metiam para não saírem chamuscadas. Ela própria pouco fazia pois nem tinha completado 13 anos e era 9 anos mais moça que seu irmão desajuizado. Procurava manter o que podia arrumado, roupa escondida para ir á escola e ajudava às outras a manterem a ordem.

Entretanto achava engraçado falarem que era um esforço debalde. No caso ela considerava mais amplo, era debalde, de panela, caneca e cuia. Nada adiantava, nada adiantaria se nunca acabasse a loucura deles pelas apostas.

                                                                                                          Maria Lúcia Futuro Mühlbauer

Escreve às segundas-feiras

 

 

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