AS ERVAS DO SEU LINO
Era uma vez... não, ficava parecendo conto de fadas como os
começavam assim ou “No tempo em que os bichos falavam”... não, não, era outro o
caso. Numa floreta... também não dava para começar assim pois o que ia contar,
bom, não deixava de ser uma floresta, mas usualmente chamavam de mata: Mata
Atlântica.
Então, um grupo de pessoas fazia uma caminha por uma trilha
que cortava a mata. De certa forma era uma trilha que já havia sido uma pequena
estrada que deixou de ser usada. Muito, mas muito tempo atrás, até passaram
trens em parta daquela trilha. Mas como não era muito usada, a natureza foi
tomando posse de seus espaços e arbustos, mato e árvores de crescimento mais
rápido estavam beirando a trilha. O
grupo subia em alguns trechos e passava por pequenos córregos que ficavam como
rios quando chovia. Dava mesmo para ver pequenas quedas de água descendo pelas
pedras da montanha ao lado. Quando chovia era perigoso fazer a trilha pois os
pequenos córregos viravam riachos com correnteza rápida e ser surpreendido por
uma “cabeça d’água no meio da mata... não era boa coisa. Sem chuva, o grupo andava
com certa destreza pela trilha. Os mais prevenidos levavam cordas, mosquetões,
e até um conjunto de ferramentas. Nenhuma previsão de acampar ou ficar até
escurecer. Era ir e chegar do outro lado numa jornada só.
Claro que nada é previsível e cursa como programado
integralmente. Justo o guia, o mais experiente, torceu o pé numa pedra solta.
Parada obrigatória bem no meio do caminho. Tanto fazia continuar como voltar.
Tirada a bota, o pé ficou roxo e inchado na hora. O camarada estava
visivelmente com muita dor. Ele mesmo enfaixou o pé desde os dedos até depois
do tornozelo, como faria com qualquer outro. Buscou um pedaço de galho para
fazer de muleta e recomendou que as paradas de descanso fossem encurtadas para
aviar a caminhada. O grupo redistribuiu as cargas do guia e optaram por seguir
em frente. Vai que o morador de uma casinha mais adiante, que vivia longe da
dita civilização, tinha como ajudar.
Passada uma hora (o dobro do tempo que se levava fazendo o
caminho), a marcha estava lenta, o grupo preocupado, o guia exausto e nada de
casinha na beira da trilha. Pela previsão inicial, o total da trilha seria de 4
horas, e já tinha feito 3 horas de caminhada e não haviam chegado nem perto do
fim. A se calcular pelo andar deles, tinham mais de 3 horas pela frente. Caminhar em ritmo lento
cansava mais e duas das mulheres do grupo já estavam bem cansadas. Bom, ainda
não eram 11 horas, não havia previsão de chuva, resolveram fazer uma parada
para lanche e descanso de meia hora. Um dos mais novos do grupo, com seus 18
anos propôs ir mais adiante ver se achava a tal casinha. A conclusão foi que
iriam 2 e caminharia meia hora e esperariam o grupo se não achassem nada. Munidos
de apitos e com os celulares (nem todo canto ali tinha sinal) foram os dois
escolhidos. O guia dormiu um pouco (cansaço e dor), o resto bebeu água, comeu
fruta e uns sanduiches enquanto o fazia a pausa.
Retomada a trilha em menos de 15 minutos deram com os dois “exploradores”
voltando. Acharam sim, a casinha, mas o morador avisou que na última chuva
havia desbarrancado o trecho seguinte em 2 lugares e que seria preciso uma pequena
escalada para ultrapassar as pedras caídas. Sentaram-se para conversar e acabaram
decidindo que seria mais prudente voltarem sem escalar, e lembraram que o
morador ofereceu sua casa para deixarem o guia enquanto pediam resgate para
ele. Estavam sem sinal de telefone desde antes do acidente, aliás, não usaram
celular desde o início da trilha. O guia ficou receoso de deixar o grupo ir sem
poder fazer contato. Na hora do entorse não reparou (grande falha) que seu
comunicador por rádio frequência havia caído. Por fim aceitou ficar na casinha
e uma das mulheres resolveu ficar também> os outros voltaram atentos para
não se perderem e buscarem o tal comunicador.
Grupão de volta, guia e mulher cansada seguindo até a casinha
... meia hora de caminhada, o guia sem poder apoiar o pé e a mulher sem muito
ânimo de andar. Dupla perfeita na lentidão. Foram recebidos com um sorriso
desdentado e um aperto de mão de mãos calosas. Parecia que o “eremita” sentia
falta de companhia. O cachorro vira-latas pretinho e magrinho não chegou a
avançar, mas latiu um bocado. Depois que viu que os visitantes não se iriam tão
cedo, deitou no vão da porta e ficou observando a conversa. Seu Lino, o morador
isolado, passou um café e ofereceu umas mangas colhidas maduras. Buscou água
fresca na “bica” perto da pedra e deixou numa moringa à disposição dos
visitantes. Mas o intervalo de almoço dele tinha acabado e precisava alimentar
as galinhas e ver a cabra se tinha parido, ia rapidinho e voltaria logo pois o
terreiro da criação era logo ali. E voltou mesmo, com umas ervas na mão que
macerou e ofereceu para colocar no pé do moço avariado. Desenfaixa o pé que estava
mais roxo e ao ser desenfaixado parecia ter inchado ainda mais, faz um banho de
ervas numa bacia meio quebrada e com água morna no início e água bem fria
acrescentada (que a água da bica era geladinha) e deu uma melhorada boa. Aí, tasca
saião, arnica e babosa numa pasta direto no pé e torna a enfaixar. Parecia realmente que o seu Lino sabia das
coisas. A dor não passou, mas só aparecia se apoiasse o pé ou mexesse um pouco
mais. O guia até cogitou voltar caminhando, mas a mulher e seu Lino bateram pé
dizendo que não carecia. Melhor esperar socorro. Claro que já estava mais
preocupado, sabia que os “resgatistas” da cidade de origem estavam acostumados
a buscarem pessoas perdidas. Ele mesmo já ajudara em algumas ocasiões. Uma maca
com rodas grande e o caminho era feito no tempo justo. Mas já passava das 14h e
não devia ter achado o rádio comunicador, então seria dado início do retorno à
trilha só depois de chegarem à cidade. Deviam estar chegando se tudo estivesse
certo. Seu Lino entabulou uma proza fácil com casos do mato, da sua vida
solitária e dor resgates que viu. A preocupação do guia er evidente, mas a mulher
estava amando os “causos”. Se tudo desse certo o grupo de resgata alcançaria a
casinha do seu Lino depois das 16:30 e a trilha teria que ser terminada já no
escuro, o que não era a melhor opção. Bom, a outra opção era dormir sob o céu
da Mata Atlântica, na casa do seu Lino, que nem tinham visto por dentro.
Seu Lino foi preparam um “rango”, matou uma galinha e pegou
umas batatas doces, umas folhas de taioba, orapronobis, e um pouco de manjericão.
Depois de um tempo o cheiro era delicioso e a fome estava fazendo os estômagos
roncarem Jantaram antes das 17:30 que depois que escurecia era difícil fazer as
coisas. A iluminação era de vela feita em casa com limão, laranja, água e óleo.
Já estavam procurando um canto para se acomodarem quando escutaram barulho no
caminho. 3 homens apareceram com uma maca/cadeira de rodas no pátio.
Cumprimentaram seu Lino com alegria, agradecerem por terem cuidado da dupla e
rapidamente colocaram as coisas em ordem para o retorno. Sabiam que já estavam
no limite por conta do anoitecer. Sorte que eram tempo quente ainda e o sol
daria sua luz por pelo menos mais 1 hora. Partiram todos rapidamente, a mulher
mais descansada no meio da turma. Depois de percorrerem quase correndo a trilha
por uma hora, a mulher já estava com 2
palmos de língua para fora e pediu para descansar. Resolveram sentar ela na
maca cadeira junto com o guia sem nem mesmo perguntarem se queria e tornara a
acelerar a marcha para percorrerem o máximo de espaço antes da escuridão. Quando realmente ficou impossível ver à
frente, duas lanternas foram acesas e o guia segurava uma à gente e uma outra
ia com o último resgatista. Mais outra hora se passou até chegarem à cidade.
Todo grupo, de banho tomado estava à espera. Imediatamente o guia foi conduzido
ao serviço médico e a mulher foi para casa cansada e se prometendo que de mata,
floresta, trilha e caminhada estava completamente “satisfeita”, nunca mais!!!
Só para saberem, o guia foi encaminhado para uma cirurgia
para recompor ossos e ligamentos e passou quase 1 ano com fisioterapia para
retomar suas aventuras. Acidentes acontecem, né?
Maria
Lúcia Futuro Mühlbauer
Escreve às
segundas-feiras