26 fevereiro 2024

AS ERVAS DO SEU LINO

 


AS ERVAS DO SEU LINO

 

Era uma vez... não, ficava parecendo conto de fadas como os começavam assim ou “No tempo em que os bichos falavam”... não, não, era outro o caso. Numa floreta... também não dava para começar assim pois o que ia contar, bom, não deixava de ser uma floresta, mas usualmente chamavam de mata: Mata Atlântica.

Então, um grupo de pessoas fazia uma caminha por uma trilha que cortava a mata. De certa forma era uma trilha que já havia sido uma pequena estrada que deixou de ser usada. Muito, mas muito tempo atrás, até passaram trens em parta daquela trilha. Mas como não era muito usada, a natureza foi tomando posse de seus espaços e arbustos, mato e árvores de crescimento mais rápido estavam beirando a trilha.  O grupo subia em alguns trechos e passava por pequenos córregos que ficavam como rios quando chovia. Dava mesmo para ver pequenas quedas de água descendo pelas pedras da montanha ao lado. Quando chovia era perigoso fazer a trilha pois os pequenos córregos viravam riachos com correnteza rápida e ser surpreendido por uma “cabeça d’água no meio da mata... não era boa coisa. Sem chuva, o grupo andava com certa destreza pela trilha. Os mais prevenidos levavam cordas, mosquetões, e até um conjunto de ferramentas. Nenhuma previsão de acampar ou ficar até escurecer. Era ir e chegar do outro lado numa jornada só.

Claro que nada é previsível e cursa como programado integralmente. Justo o guia, o mais experiente, torceu o pé numa pedra solta. Parada obrigatória bem no meio do caminho. Tanto fazia continuar como voltar. Tirada a bota, o pé ficou roxo e inchado na hora. O camarada estava visivelmente com muita dor. Ele mesmo enfaixou o pé desde os dedos até depois do tornozelo, como faria com qualquer outro. Buscou um pedaço de galho para fazer de muleta e recomendou que as paradas de descanso fossem encurtadas para aviar a caminhada. O grupo redistribuiu as cargas do guia e optaram por seguir em frente. Vai que o morador de uma casinha mais adiante, que vivia longe da dita civilização, tinha como ajudar.

Passada uma hora (o dobro do tempo que se levava fazendo o caminho), a marcha estava lenta, o grupo preocupado, o guia exausto e nada de casinha na beira da trilha. Pela previsão inicial, o total da trilha seria de 4 horas, e já tinha feito 3 horas de caminhada e não haviam chegado nem perto do fim. A se calcular pelo andar deles, tinham mais de  3 horas pela frente. Caminhar em ritmo lento cansava mais e duas das mulheres do grupo já estavam bem cansadas. Bom, ainda não eram 11 horas, não havia previsão de chuva, resolveram fazer uma parada para lanche e descanso de meia hora. Um dos mais novos do grupo, com seus 18 anos propôs ir mais adiante ver se achava a tal casinha. A conclusão foi que iriam 2 e caminharia meia hora e esperariam o grupo se não achassem nada. Munidos de apitos e com os celulares (nem todo canto ali tinha sinal) foram os dois escolhidos. O guia dormiu um pouco (cansaço e dor), o resto bebeu água, comeu fruta e uns sanduiches enquanto o fazia a pausa.

Retomada a trilha em menos de 15 minutos deram com os dois “exploradores” voltando. Acharam sim, a casinha, mas o morador avisou que na última chuva havia desbarrancado o trecho seguinte em 2 lugares e que seria preciso uma pequena escalada para ultrapassar as pedras caídas.  Sentaram-se para conversar e acabaram decidindo que seria mais prudente voltarem sem escalar, e lembraram que o morador ofereceu sua casa para deixarem o guia enquanto pediam resgate para ele. Estavam sem sinal de telefone desde antes do acidente, aliás, não usaram celular desde o início da trilha. O guia ficou receoso de deixar o grupo ir sem poder fazer contato. Na hora do entorse não reparou (grande falha) que seu comunicador por rádio frequência havia caído. Por fim aceitou ficar na casinha e uma das mulheres resolveu ficar também> os outros voltaram atentos para não se perderem e buscarem o tal comunicador.

Grupão de volta, guia e mulher cansada seguindo até a casinha ... meia hora de caminhada, o guia sem poder apoiar o pé e a mulher sem muito ânimo de andar. Dupla perfeita na lentidão. Foram recebidos com um sorriso desdentado e um aperto de mão de mãos calosas. Parecia que o “eremita” sentia falta de companhia. O cachorro vira-latas pretinho e magrinho não chegou a avançar, mas latiu um bocado. Depois que viu que os visitantes não se iriam tão cedo, deitou no vão da porta e ficou observando a conversa. Seu Lino, o morador isolado, passou um café e ofereceu umas mangas colhidas maduras. Buscou água fresca na “bica” perto da pedra e deixou numa moringa à disposição dos visitantes. Mas o intervalo de almoço dele tinha acabado e precisava alimentar as galinhas e ver a cabra se tinha parido, ia rapidinho e voltaria logo pois o terreiro da criação era logo ali. E voltou mesmo, com umas ervas na mão que macerou e ofereceu para colocar no pé do moço avariado. Desenfaixa o pé que estava mais roxo e ao ser desenfaixado parecia ter inchado ainda mais, faz um banho de ervas numa bacia meio quebrada e com água morna no início e água bem fria acrescentada (que a água da bica era geladinha) e deu uma melhorada boa. Aí, tasca saião, arnica e babosa numa pasta direto no pé e torna a enfaixar.  Parecia realmente que o seu Lino sabia das coisas. A dor não passou, mas só aparecia se apoiasse o pé ou mexesse um pouco mais. O guia até cogitou voltar caminhando, mas a mulher e seu Lino bateram pé dizendo que não carecia. Melhor esperar socorro. Claro que já estava mais preocupado, sabia que os “resgatistas” da cidade de origem estavam acostumados a buscarem pessoas perdidas. Ele mesmo já ajudara em algumas ocasiões. Uma maca com rodas grande e o caminho era feito no tempo justo. Mas já passava das 14h e não devia ter achado o rádio comunicador, então seria dado início do retorno à trilha só depois de chegarem à cidade. Deviam estar chegando se tudo estivesse certo. Seu Lino entabulou uma proza fácil com casos do mato, da sua vida solitária e dor resgates que viu. A preocupação do guia er evidente, mas a mulher estava amando os “causos”. Se tudo desse certo o grupo de resgata alcançaria a casinha do seu Lino depois das 16:30 e a trilha teria que ser terminada já no escuro, o que não era a melhor opção. Bom, a outra opção era dormir sob o céu da Mata Atlântica, na casa do seu Lino, que nem tinham visto por dentro.

Seu Lino foi preparam um “rango”, matou uma galinha e pegou umas batatas doces, umas folhas de taioba, orapronobis, e um pouco de manjericão. Depois de um tempo o cheiro era delicioso e a fome estava fazendo os estômagos roncarem Jantaram antes das 17:30 que depois que escurecia era difícil fazer as coisas. A iluminação era de vela feita em casa com limão, laranja, água e óleo. Já estavam procurando um canto para se acomodarem quando escutaram barulho no caminho. 3 homens apareceram com uma maca/cadeira de rodas no pátio. Cumprimentaram seu Lino com alegria, agradecerem por terem cuidado da dupla e rapidamente colocaram as coisas em ordem para o retorno. Sabiam que já estavam no limite por conta do anoitecer. Sorte que eram tempo quente ainda e o sol daria sua luz por pelo menos mais 1 hora. Partiram todos rapidamente, a mulher mais descansada no meio da turma. Depois de percorrerem quase correndo a trilha  por uma hora, a mulher já estava com 2 palmos de língua para fora e pediu para descansar. Resolveram sentar ela na maca cadeira junto com o guia sem nem mesmo perguntarem se queria e tornara a acelerar a marcha para percorrerem o máximo de espaço antes da escuridão.  Quando realmente ficou impossível ver à frente, duas lanternas foram acesas e o guia segurava uma à gente e uma outra ia com o último resgatista. Mais outra hora se passou até chegarem à cidade. Todo grupo, de banho tomado estava à espera. Imediatamente o guia foi conduzido ao serviço médico e a mulher foi para casa cansada e se prometendo que de mata, floresta, trilha e caminhada estava completamente “satisfeita”, nunca mais!!!

Só para saberem, o guia foi encaminhado para uma cirurgia para recompor ossos e ligamentos e passou quase 1 ano com fisioterapia para retomar suas aventuras. Acidentes acontecem, né?

 

                                                                                                          Maria Lúcia Futuro Mühlbauer

Escreve às segundas-feiras

 

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