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22 março 2024

O DIREITO SAGRADO DO HOMEM DE BEM

 

Imagem capturada na internet.

Na cabeça de uma parte (bem grande de homens), talvez até de todo bolsonarista, como o Robinho, ex-jogador de futebol, bolsonarista e estuprador condenado na Itália há 9 anos de prisão por agressão sexual coletiva, o estupro é um direito do homem de bem e sempre culpa da vítima, sempre culpa da mulher, pelos seguintes motivos:

Primeiro, por ser mulher.

Segundo, por ser estuprável, o que quer dizer bonita, gostosa, como diria um ex-presidente inelegível e atual candidato a uma vaga permanente na Papuda.

Terceiro, por provocar. Todo homem (deste tipo) sabe que as mulheres provocam. Provocam quando estão de roupas curtas, porque é óbvio que saem de casa com a intenção de serem estupradas. Provocam quando estão de roupas longas, porque sabem que o candidato a estuprador vai ficar curioso sobre o que ela tem por baixo da roupa longa. Provocam quando saem tarde de casa, porque todo homem sabe que sai tarde de casa, e piora se beber, está pedindo para ser estuprada. Provocam quando saem cedo de casa, digamos, umas sete da manhã para ir trabalhar, afinal de contas elas sabem que não existe horário seguro para uma mulher sair de casa desacompanhada de um homem.

Quarto, porque é vontade de Deus que a mulher seja estuprada. Afinal de contas, se nem uma folha cai de uma árvore sem a vontade dele, como dizem os fiéis leitores da Bíblia, se Deus fosse contra o estupro, não a teria feito nascer mulher, não é verdade?

 

Ernande Valentim do Prado é anticorrupto, antejeitinho, 

porém é ainda mais antifascista, antimachão e antimilico 

e publica no Rua Balsa das 10 sempre que sobra um tempo.

11 fevereiro 2022

Vivendo e não aprendendo


Estes dias fui jogar o lixo. Coloquei a minha mascara N95, saí escondido, depois de olhar pela janela e não ver ninguém por perto. Fui rapidinho e voltei em menos de 40 segundos. Voltando, dei de cara com o filho da vizinha, de uns 12 anos e sem máscara. Nem ele, nem o irmão, de uns 4 anos, nem o pai, nem a mãe e nem a avó, usam mascaras ou melhor, devem usar quando são obrigados para entrar em algum lugar que proíbe entrar sem a máscara.

Poucos dias antes eu escutei a mãe gritando, para o prédio todo ouvir (ou ao menos o andar) que vacinar criança só pode ser safadeza, que não existe criança com Covid (hoje de manhã ela admitiu que uma criança morreu de Covid, uma, apenas uma – queria saber de onde ela tira esses números e essa convicção).

As informações dela são besteiras sem tamanho, que deve ouvir de um idiota e repte como papagaio. Também deve ouvir dos seguidores mais idiotas do que o idiota mor. O idiota mor é o Presidente general, quer dizer, o presidente capitão que prometeu matar mais de 30 mil e já matou quase 700 mil pessoas com seu discurso assassino, atrasando a compra de vacina e fazendo tudo que pode para evitar o isolamento social.

Até aí tudo bem, afinal de contas, não é fácil ter a cabeça no lugar e pensar por si mesmo. Sei que é bem mais fácil acreditar em um mito, seguir um líder, um pastor, um Deus qualquer, até porque, caso tudo dê errado, ainda se pode jogar a responsabilidade nas costas dos líderes e se fazer de vítima, de coitadinho (e eu não sei se odeio mais o porco ou o dono do chiqueiro, não sei mesmo). O que sei, no momento, é que existem muitos bolsonaristas arrependidos e, pior do que um bolsonarista arrependido é um bolsonarista que ainda não se arrependeu.

Mas tem uma coisa que me incomoda e me fascina ao mesmo tempo e muito, mas muito mesmo, porque não consigo entender, não consigo processar em meu cérebro ou nos meus sentimentos. Sabe! Sempre ouvi dizer que é possível aprender pelo amor ou pela dor. Ouvi muito dizer que algumas pessoas só aprendem pela dor e até consigo entender sem problema. Afinal, aprende-se de diferentes maneiras e é preciso conhecer as pessoas e possibilitar que elas aprendam, seja qual for o método necessário.

Mas o que dizer de uma pessoa que perdeu o pai de Covid, antes da existência da vacina, que o Bolsonaro não quis comprar e só comprou quando não teve mais como evitar?

Essa mesma pessoa, que enterrou seu pai sem velório, continua não usando máscara, fazendo discurso contra a vacina das crianças, mesmo tendo ela mesma se vacinado e ainda repetindo os discursos idiotas e assassino do capitão, como pode?

Será que o Edgar Scandurra está certo e o ditado popular errado? O ser humano ou ao menos os seres bolsonaristas estão vivendo e não aprendendo?

Nem pela dor, já que amor é algo que eles e elas não compreendem ainda?

Sigamos questionando.


Este texto foi adaptação do podcast MÚSICA PARA PENSAR e a versão original pode ser ouvida aqui:


Ernande Valentin do Prado é Enfermeiro, Sanitarisa e continua aí mandando brasa.

28 janeiro 2022

Trabalho escravo em terra de rato


        


O tempo passa por nós de uma forma que nem sempre dá para perceber. As coisas mudam o tempo todo, mas nem sempre a gente consegue ver e sentir. Quer um exemplo, a pouco mais de 200 anos era totalmente normal ter um escravo em casa ou na fazenda. Eles executavam todas as vontades do branco endinheirado (mesmo que à base de chicotadas no lombo) e produziam a riqueza que outros desfrutam até hoje. 

Até pessoas aparentemente boas e normais não conseguiam ver que ter um escravo era, e continua sendo, o cúmulo do absurdo da indignidade humana. E todo escravocrata, todo, sem exceção, deveria ser jogado ao mar ou trancado em um cela com o Capitão Jair e ser obrigado a ouvi-lo contar suas piadas racistas, machistas e homofóbicas (se bem que isso já seria crueldade demais, melhor ser jogado ao mar mesmo, aquele de Recife que tem tubarão, é menos cruel).

Hoje em dia ninguém acha normal manter uma escrava ou um escravo em casa, nem para lavar a louça, nem para cuidar de seus filhos e nem dar de mamar a eles e depois, no fim da noite, ainda ser estuprada, se fosse mulher ou ter de realizar as fantasias mais chocantes da patroa, se fosse homem.

Eu não consigo nem imaginar como deveria ser humilhante ser escravo e não me imagino convivendo com um escravocrata (eu mesmo prefiro ser jogado ao mar de Recife a ter que apertar a mão de um escravocrata ou ter que olhar na cara de um ser tão desprezível).

Acredito que hoje em dia, nem as pessoas mais asquerosas, mais esnobes e almofadinhas, como Dória, Sérgio Moro, vulgo Marreco de Maringá, que tem cara de que odeia pobres, conseguiriam ter um escravo. 

A maioria dos empresários brasileiros são ridículos, mamam nas tetas do estado através de benefícios fiscais, sonegação e maracutaias, não recolhem impostos de renda, pagam mal aos assalariados, defendem que o salário mínimo é muito alto e que deveria baixar (por isso apoiam o presidente militar). Esses empresários acreditam que os trabalhadores têm direitos demais e querem cortar toda e qualquer forma de proteção social. E a esse golpe covarde chamam de reforma modernizante.

O empresariado brasileiro deseja as mesmas normas fiscais e trabalhistas dos Estados Unidos e ao mesmo tempo continuam pagando os piores salários do mundo. Acreditam (ou falam só para enganar idiotas) que os motoboys, que entregam lanche se arriscando no trânsito ou que os motoristas de Uber, são empreendedores. E foda-se se os empreendedores não conseguem manter uma vida digna: com alimentação adequada, saúde, escola e lazer. Foda-se se o motoboy sofrer um acidente e o deixar inválido ou se sua filha ficar órfã, afinal de contas, o lucro, na cabeça destes empresários que odeiam imposto, deve ser privado, mas as despesas devem ser do SUS, devem ser do estado que eles odeiam. Mamam no estado, mas odeia o estado.

O estado, para existir, precisa do dinheiro dos impostos, mas Uber, Netflix, I-food, entre outras grandes empresas, e até o dono do mercadinho do seu bairro, aquele que não registra as compras, passando pelo Veio Asqueroso da Havan, não querem nem ouvir falar em imposto. Dizem que é roubo. Mas sabe quem é mesmo o ladrão? 

Mas, ninguém, nem estes empresários abomináveis seriam capazes de ter escravos, não é verdade?

Quer dizer, nem Dória, nem Moro, nem o Gustavo Lima que, dizem, demitiu toda a sua banda e os re-contratou com metade do salário anterior, teriam escravos, hoje em dia.

Mas o Ratinho, sabe, aquele apresentador do SBT, que faz aquele programa de TV que é uma merda e defende que se fuzile quem pensa diferente dele (e diferente do que prega o Capitão), sabe quem é?

Aquele que o Enéas Carneiro, eterno candidato a presidente e que todos diziam ser muito inteligente, mas que de fato tinha muitas ideias fascistas, sabe? Ele chamava o Ratinho de senhor Rato. E realmente o Ratinho é um senhor rato. Acho que ninguém duvida.

Lembrou quem é o Ratinho?

Ele é pai do Governador do Paraná, então, esse mesmo. Ele teria escravos sem problemas, ao que parece. Ouvi dizer que ele já foi condenado por ter trabalhadores escravizados em suas terras, três vezes, isso mesmo, três vezes ele foi condenado, sabia disso?

Então, ninguém, fora o Ratinho, tem coragem de ter escravos. Ou estou sendo muito otimista?

Será que ainda existem pessoas tão asquerosas, desumanas, cidadãos brancos de bens que teriam coragem de ter escravos no Brasil de hoje em dia?

Acho difícil de acreditar, acho até que exageram quando dizem que em São Paulo está cheio de trabalhador vivendo em regime de escravidão, são Chineses, Colombianos, Bolivianos e até brasileiros. Ouvi dizer que esses trabalhadores escravizados costuram roupas que depois são vendidas em lojas muito chiques e compradas por descendentes dos senhores de escravos de antigamente. Parte desta história foi mostrada naquele filme fantasioso: "7 prisioneiros", da Netflix, você viu?

Netflix, você sabe, é aquela multinacional bilionária que tem 19 milhões de assinantes no Brasil e não paga impostos, não gera riqueza para o Brasil, só lucra, sabe qual é, né?

Então, liga lá na Netflix e veja 7 prisioneiros, filmado em São Paulo. Vão perceber que é tipo um Game of thrones brasileiros, um O senhor dos anéis, ou seja, pura fantasia, porque eu sei que no Brasil, fora nas terras do Ratinho, não existe trabalho escravo. Repito, não tem escravos vivendo no Brasil, a não ser nas fazendas do Ratinho e talvez nem lá, afinal de contas, se fosse verdade, certamente ele estaria preso e teriam até jogado a chave fora ou o teriam jogado no mar.

Imagina se o Silvio Santos, por mais demente que esteja, permitiria que um escravocrata apresentasse um programa em sua TV. Uma coisa é bajular general torturador, presidente genocida, vender carnês para otários, digo, telespectadores e donas de casa e outra bem diferente é aceitar um condenado por trabalho escravo em seu canal, né não?

Afinal, Sílvio Santos é povão, é homem de bem e sabe que quem é escravizado, nas terras de ratinho ou nos apartamentos do Leblon (no Rio de Janeiro) ou no Jardim Luna (em João Pessoa), são povão e ele não iria aceitar que o Ratinho fizesse isso com seu público ou iria?

Então é isso, não tem trabalhador escravizado no Brasil e este é um texto de ficção. 


Este texto foi adaptação do podcast MÚSICA PARA PENSAR e a versão original pode ser ouvida aqui:

Ernande Valentin do Prado é Enfermeiro, Sanitarisa e continua aí mandando Brasa. 

05 novembro 2021

SAGARANA ROUBADO

 


Ernande Valentin do Prado

 

Fátima serviu-se na cozinha com arroz, feijão, frango e mais alguma outra coisa e foi para sala com o prato na mão. Para. Antes de falar de Fátima, preciso falar de minha mãe, Dona Iolanda. Ela é mineira, e isso por si só quer dizer que cozinha em panelas gigantesca, prevendo que alguém inesperado vai chegar. E Fátima sempre chegava. Chegava tanto que nem era mais inesperada, minha mãe já cozinhava pensando nela:

— A Fátima gosta de almeirão cortando bem fininho,

ou

 — vou fazer sopa de batata com massa de tomate, que a Fátima gosta.

Fátima trabalhava no Centro da cidade em um laboratório de revelação fotográfica especializada em filme preto e branco.  Revelação de filme é uma coisa que os mais novos talvez nunca tenham ouvido falar e quem tem idade para saber, pode nem ter memória para se lembrar. Em todo caso é bom dizer, houve um tempo em que não existia fotografia digital e as fotos precisavam ser reveladas em laboratórios. Existiam rolos Kodak ou Fuji de 12, 24 ou 36 poses. E revelar essas fotos era o trabalho de Fátima.

Por volta das 20 horas a gente já começava a esperar por Fátima. As vezes ela chegava muito tarde e minha mãe cansava de esperar, guardava as panelas, mas para ela isso não era inconveniente, ia para cozinha, esquentava tudo, comia, lavava a louça, sentava para ver um pouco da novela, bater papo e só depois ia para casa.

Voltando ao caminho entre a cozinha e a sala: Fátima flagrou o livro: Sagarana, de Guimaraes Rosa, descuidadamente em cima da TV. Com uma mão segurava o prato, com a outra pegou o livro, olhou a primeira página e disse:

— Este livro é meu.

— Como assim, esse livro é seu?

Me apressei em questionar, desacreditar e acrescentar:

— Eu roube este livro do Paulo.

— Eu tinha emprestado para o Marcelo,

disse Fátima,

— que disse ter emprestou para o Valdemar, que emprestou para alguém e não lembrar quem, faz uns três anos, em um encontro do grupo de jovens.

Sagarana, de Guimarães Rosa. Um livro clássico de contos. Importante, imponente, elegante e de uma boniteza que não dá para medir. Eu não tenho mais esse exemplar. Emprestei para algum ladrão e perdi no labirinto do tempo. infelizmente Marcelo, o primeiro ladrão do livro, morreu de COVID-19. Saudade de todos: Fátima, Paulo, Valdemar, Marcelo, minha mãe, meu pai, minhas irmãs e do livro roubado.  

15 maio 2020

A APRENDIZAGEM NO ESMAGAR O DENTE DE ALHO




Ernande Valentin do Prado

No intervalo da aula do Curso de Especialização em Saúde Coletiva, formou-se um grupinho entre professores e estudantes. A conversa era sobre comida e a estudante disse:
— É muito fácil usar o alho como tempero, basta esmagar e fritar no óleo.
E nem foi para mim que ela falou. Só escutei porque estava perto. Mesmo assim aprendi.
A aprendizagem se dá dos modos mais diferentes e improváveis e ultimamente tenho percebido que quando acontece sem a intenção do ensino, parece ser mais efetiva.
Lembrei disso porque estava cortando o dente de alho em pedaços finos para depois esmagar, o que deixa a tarefa mais fácil, e me dei conta que a partir da fala da estudante eu fui desenvolvendo outras técnicas para esmagar e para usar o alho em diferentes situações. Cortá-lo primeiro já foi um pouco de minha evolução.
O conhecimento de que bastava esmagar o alho foi o caminho das pedras que possibilitou os primeiros passos no uso do alho como tempero do feijão e depois para outras alimentos. A conversa aconteceu na escola, não na aula e essa é uma diferença significativa. O que ouvi foi um disparador, um ponto de partida, aonde eu cheguei ou ainda vou chegar com esse conhecimento é responsabilidade minha. E as possibilidades são muitas e algumas delas nem tem a ver com comida ou alho. Por exemplo, esse texto tem a ver com aprender e ensinar, mas é derivado da aprendizagem sobre o alho, percebe?
Será que não cabe ao professor e a escola, nos dias de hoje mais do que ontem, criar esses momentos para que os estudantes possam aprender?
É mais do que provável que a maioria dos professores já saibam que não cabe a ele ser o detentor do conhecimento para depositar nos estudantes, afinal de contas há muitos anos Paulo Freire disse que ensinar não é transferir conhecimento. Por outro lado, Freire também disse, especialmente no livro Pedagogia da autonomia, que ensinar não é simplesmente transferir conhecimento e que esse saber não deve se limitar a um discurso do professor, precisa ser aprendido, vivenciado e testemunhado constantemente.
Será que o professor, além de saber, acredita nisso?
Testemunhar é o que estou fazendo neste texto.
Faço isso sempre que posso, não apenas em texto. Vivo isso no meu cotidiano de trabalho no Apoio Institucional da Secretaria de Estado da Saúde a partir do Centro Formador de Recursos Humanos da Paraíba e já venho fazendo há mais de dez anos nos cursos de Enfermagem e de Saúde Coletiva.
Há quem tente opor conteúdo e método, porém essa dicotomia não existe na prática. Também não existe forma de dar uma aula conteudista sem utilizar algum método, até porque projetar slide, uma transparência ou falar tudo de memória enquanto segura um giz, é método. Não há aula sem conteúdo e não existe contradição entre método e conteúdo, as duas coisas são importantes e precisam ser consideradas em qualquer modelo de aula.
O que diferencia uma aula conteudista de outra pensada para que o estudante desenvolva os conhecimentos, é a forma, a quantidade de conteúdo que irá fazer parte da aula e principalmente como e para que irá fazer parte.
De um modo geral, em uma aula conteudista, o objetivo é repassar os conhecimentos do professor para a cabeça dos estudantes e este, em um dia agendado ou surpresa, deverá devolver o conteúdo, provando que tem memória. Neste caso não precisa nem saber para que o conteúdo ouvido serve ou onde e como pode ser aplicado. Geralmente essas não são preocupações do professor e da professora conteudistas.
Já em aulas problematizadoras, sobretudo freireana, o objetivo não é repassar conteúdo. Ele é pano de fundo para dialogar, refletir sobre as formas de intervir positivamente na comunidade e ponto de partida para o desenvolvimento e aplicação dos conhecimentos, algo parecido com o que aconteceu comigo em relação ao alho.  
Outro aspecto que precisa ser levado em conta e nem sempre é, tanto em uma aula quanto na outra, é que elas devem ser preparadas. Essa é uma questão que nem sempre é observada, seja por falta de tempo ou pelas crenças do professor. Problematizar e até repassar conteúdo, não pode ser feito de improviso.
A aprendizagem acontece o tempo todo, não apenas na aula em si, como na história do dente de alho. Por isso creio que os professores deveriam levar em conta, ao preparar as suas aulas, que é importante criar situações para que isso aconteça, pois não basta esperar e improvisar em cima. A responsabilidade de “ensinar” continua sendo do professor e da professora.
As aulas precisam continuar sendo pensadas e preparadas com rigor e poder-se-ia levar em conta que a aprendizagem não acontece apenas dentro da sala, seja na exposição de conteúdo, seja na problematização e no diálogo. A aprendizagem acontece em múltiplos e simultâneos momentos antes, durante e depois da aula.
Será que ao planejar uma aula o professor e a professora pensam na função do intervalo ou consideram ele apenas um momento para ir ao banheiro, comer ou acessar o celular antes de depositar mais conteúdo nas cabeças dos estudantes?
E os momentos de confraternização, são partes do processo de aprender a conviver ou uma concessão do professor para o ócio? Enfim, é importante que a escola seja aproveitada como um todo para produzir aprendizagem e não apenas a aula em si. Se aprendemos em comunhão, como fala Freire, não seria bom criar momentos para que a comunhão aconteça na aula e na escola deliberadamente e não apenas como efeito secundário?
Sobre os momentos de aprendizagem que estão no entorno das aulas e das escolas, escrevi mais em minha dissertação: Estamos construindo uma catedral, que a editora Hucitec prometeu lançar como livro ainda em 2020.

[Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]


29 março 2019

BOLSONARO TEM RAZÃO, NUNCA HOUVE DITADURA MILITAR NO BRASIL

Imagem de passeata que não aconteceu. Capturado no Google, 2019.

Ernande Valentin do prado

Bolsonaro tem razão, nunca houve ditadura militar no Brasil. Em 31 de março de 1964, o que houve foi a posse de um regime encabeçado por militares, amparados por fuzis, tanques de guerra e tropas fardadas, é verdade, e não pelo voto, como é o mais comum. No entanto o novo regime estava revestido de uma ideologia cristão, que pregava a paz, a liberdade e a harmonia entre todas as pessoas.
O movimento encabeçado por militares e com participação de empresários, religiosos e da alta sociedade Brasileira, todos interessados no bem social da maioria e no desenvolvimento do Brasil, foi saldado na rua com muito entusiasmo por todos, sem distinção de classe, cor e religião.
Além disso, o mundo e as melhores cabeças pensantes do Brasil compreendem e aceitam que é papel dos militares depor um governo civil legitimamente eleito, quando ele é incapaz de governar para maioria, que como todos sabem é composta da elite branca e cristão. Isso é democracia, isso é incontestável.
E, se por acaso esse governo militar ficou no poder até 1985, ou seja, por 21 anos ininterruptos, foi porque respeitava a nação e era amado pelo povo, como é característicos de um Regime Militar.
Não aconteceu, em 1968, quatro anos depois do golpe, quer dizer, da posse dos militares, movimentos de rua pedindo democracia no Brasil, afinal de contas, porque aconteceria movimento pedindo por democracia em um regime democrático?
Como esse movimento pedindo por democracia, nunca aconteceu, também não aconteceu o Ato Institucional número cinco, o famoso AI-5, que dava poderes quase absolutos ao General Costa e Silva, que  poderia ter fechado o congresso nacional, congelado o salário mínimo, que na época era muito alto e apoiado pelos empresários brasileiros, que como todos compreendem, são legítimos representantes da nação e pensam apenas no bem de todos e não no lucro acima de tudo.
Como não houve AI-5, também não houve a prisão, neste mesmo dia ou noite, do ex-presidente Juscelino Kubitschek e centenas de outras pessoas por toda parte. Paulo Freire, que liderava uma campanha cívica que pretendia erradicar o analfabetismo no Brasil, nunca foi impedido de trabalhar, não foi exilado e nem proibido de voltar ao Brasil por mais de uma década.
E sabe por que isso nunca aconteceu?
Porque no Brasil não houve ditadura Militar.
O regime instaurado no Brasil, desde 1964, pela vontade popular soberana, nos garantia democracia plena. Tanto é que o Regime Militar nunca precisou usar força física e poder bélico para convencer a população que fazia o seu melhor. Todos percebiam isso com naturalidade. Nunca, aqui no Brasil, houve tortura de opositores, nem de comunistas, nem de padres, nem de mãe de santo. Isso porque o Regime, respeitava todas as religiões, todos os pensamentos, como é próprio das democracias.
No Brasil, entre 1964 e 1985, não existia corrupção, não existia problemas no sistema de saúde, nem sistema de saúde existia, isso porque a população era sadia. Todas as crianças estavam na escola, todas vacinadas, não houve epidemia de sarampo, nem de meningite. O saneamento básico era prioridade absoluta e generalizada em todas as cidades.
No INPS, que concentrava os serviços de saúde e assistência social, não houve fraudes gigantescas e generalizadas. O dinheiro público não foi usado, com autorização de generais, para financiar serviços de saúde privados sem que eles fossem obrigados a atender a população.
Está claro que isso não aconteceu nos órgão de saúde, porque não houve ditadura no Brasil, somente se tivesse havido ditadura militar, poderia se imaginar que absurdos como esses poderiam ter acontecido, porque em ditaduras não se pode investigar desvio de dinheiro, corrupção e muito menos divulga-los em jornais e TV.
Os jovens, filhos da classe média ou do mais humilde trabalhador rural, tinha vaga garantida em uma escola sempre perto de sua casa, inclusive em universidades públicas de qualidade.
Os militares eram muito bons administradores e pensavam no bem da maioria dos brasileiros. Por isso, o projeto desenvolvimentista que implantaram, deu resultados excelentes, sobretudo para os trabalhadores, que recebiam um alto salário e conseguia comer carne, verduras, legumes, todos os dias e ainda sobrava para fazer uma gorda poupança. E, claro, não precisavam trabalhar mais do que seis horas por dia, nem fazer horas extras para complementar a renda. Todos tinham carteira assinada, o que lhes garantia todos os direitos legais, inclusive em caso de acidentes de trabalho, quando aconteciam, o que era muito raro.
Essa situação contribuiu muito para que o trabalhador tivesse saúde, tanto física quanto mental. E como todos devem saber, ter uma boa saúde mental só estando em um regime de liberdade total e segurança.
O Brasil, nestes anos prósperos do Regime Militar, era seguro, tanto é verdade que não existia esquadrão da morte dedicados a executar marginais por fora do sistema legal. Como todos sabem só existem milícia e esquadrão da morte quando a polícia não funciona bem e, nos anos do Regime, a polícia e o sistema legal funcionava com esmero e todo cidadão confiava e tinha orgulho da polícia, sobretudo da militar.
Nunca, nos anos do Regime, um motorista, sobretudo de caminhão, teve que pagar propina para um policial de transito liberá-lo de uma multa. Não era hábito do responsável pela segurança pública pedir um guaraná, comer sem pagar no comércio ou cobrar um por fora para garantir a segurança local.
Os militares não desperdiçavam dinheiro com obras faraônicas, como a Transamazônica e nem faziam empréstimos junto ao FMI, isso porque sabiam que os juros seriam altíssimos e prejudicariam o país no futuro, como por exemplo, com a explosão da inflação, que durante o Regime esteve sempre controlada e baixa, o que garantiaque os produtos vendido tinham preços razoáveis. E, mesmo que os preços fossem altos, o salário mínimo não era tão mínimo,  era suficiente para tudo que o trabalhador precisava, inclusive para férias na Disney, pagar plano de saúde, já que o SUS não existia, e muito mais.
O Regime nunca censurou os jornais, nem as TVs, nem os músicos eram obrigados a mudar a letra de suas músicas. Isso nunca aconteceu no Brasil comandando pelos militares.
Os generais jamais precisaram se aliar a rede globo para manipular a opinião pública, nem distribuíram concessões de canais de rádio e TV para políticos e empresários aliados do Regime. As empresas multinacionais com sede no Brasil eram éticas e nunca financiaram grupos paramilitares para perseguir, tortura e sumir com os corpos de estudantes considerados subversivos.
O jornalista Vladimir Herzog não foi torturado e assassinado nos porões da ditadura, nem o operário Manoel Fiel Filho, nem nenhuma outra pessoa, afinal de contas nunca houve porões durante o regime militar.
O coronel Brilhante Ustra, homem de bem, temente a Deus, nunca precisou torturar ninguém para obter a verdade, pois diante de sua força moral os subversivos não conseguiam mentir. Nunca esse dedicado militar torturou mães na frente de seus filhos, nem as estuprou na frente dos maridos, nunca colocou ratos na vagina de guerrilheiras, isso porque no Brasil do Regime Militar, nunca houve guerrilha, nem tortura.
E, como não houve ditadura, os militares, que supostamente eram encarregados de torturar os opositores para obter confissões, não frequentaram o treinamento na Escola das Américas, instituição também chamada de Instituto do Hemisfério Ocidental para a Cooperação em Segurança, e não aprenderam a torturar com especialistas norte-americanos da CIA.
No Brasil nunca houve ações de guerrilheiros, como assaltos a banco, atentados e sequestro de embaixadores estrangeiros, sabe por quê?
Primeiro porque não houve ditadura e se não houve ditadura, é óbvio, não pode ter havido luta de guerrilha contra a ditadura. Segundo porque todas as partes, todos os pensamentos, todas as ideologias sentavam-se juntos para discutir, elaborar, pensar o Brasil, como em qualquer democracia.
Se não houve ditadura, nunca houve o fim da ditadura, nunca houve campanha pela anistia, afinal de contas nunca houve exilados. Não houve campanha pedindo o direito de votar para presidente, a chamada campanha pelas diretas já, afinal de contas só em ditaduras se proíbe o voto direto da população para eleger seu maior mandatário, não é verdade?
 E, como não houve ditadura no Brasil, também não houve militar desertando e mudando de lado, como dizem que fez o lendário Capitão Lamarca.
Durante o governo do General Figueiredo, militares descontentes com uma possível abertura política e volta de governos civis, nunca se revoltaram e começaram a deixar Cartas-bombas em bancas de jornal, em editoras e entidades da sociedade civil, como A Igreja Católica, a Ordem dos Advogados do Brasil, a Associação Brasileira de Imprensa, entre tantas outras.
E em abril de 1981, militares revoltadíssimos com um suposto fim do regime militar, não tentaram explodir um show musical no centro de convenções do Rio Centro. Como isso nunca aconteceu, também não foi preciso a realização uma investigação séria por parte do governo militar, nem na época nem depois.
Bolsonaro está certo, nunca houve ditadura militar no Brasil, nunca, nunca, nunca mais.

Referências:
Ditadura militar (1964-1985) - Breve história do regime militar... - Veja mais em Disponível em: Acessado em: 27 mar. 2019.
Tortura no Brasil. Acessado em: 27 mar. 2019.


[Ernande valentin do Prado, publica às 6tas-feiras]


11 janeiro 2019

A DONA DE CASA SABE, GOVERNOS E COMENTARISTAS POLÍTICOS NÃO

Panelas. Imagem capturada na internet, 2019.
Ernande Valentin do Prado
Você ouviu o Presidente dizer, em seu discurso de posse, que não vai gastar mais do que arrecada?
Sabe o que isso significa para o Usuário do SUS, ao ir a um Hospital, uma Unidade de Saúde ou quando precisar de uma medicação da Farmácia Popular, por exemplo?
A maioria dos comentaristas de política e de economia, da grande mídia tradicional, festejaram a fala do presidente e inclusive recorreram a uma imagem que qualquer pessoa pode entender e é tão óbvio que fica difícil discordar, sem parecer ser do contra.
Segundo eles, até uma Dona de casa sabe que não se deve gastar mais do que  se ganha. O que parece lógico e inquestionável, porém só quando a dona de casa faz. Porque a dona de casa tem uma sabedoria, uma racionalidade e um compromisso que o estado não tem, ou seja, ela sabe quais são as prioridades para a família. Sabe em que deve economizar, que gastos não podem deixar de fazer.
Tanto é assim que ao ir ao supermercado, a dona de casa corta logo o Iogurte, as bolachas e chocolates.
Será que o governo, este ou qualquer outro que já passou por Brasília tem a mesma lógica da dona de casa ao pensar os gastos que vai cortar e os que vai manter?
Até hoje nenhum governo parece ter tido o mesmo nível de sabedoria e racionalidade de uma dona de casa, por isso a fala do presidente é tão perigosa, embora nem todos percebam o perigo e o que isso significa para o trabalhador.
Será que o novo governo, será que o estado brasileiro irá cortar os gastos supérfluos ou os gastos com educação, saúde e infraestrutura?
Só para ilustrar o que estamos dizendo, vamos lembrar que no fim do ano o estado, através de seus poderes, concedeu a si mesmo aumentos abusivos de salários, aos empresários perdoou dívidas e renovou isenções fiscais no mínimo questionáveis. E já estão falando que o judiciário irá voltar com o auxílio moradia para juízes, este mesmo que nem deixou de existir. E nem estou mencionando os cargos com super salários para filhos, para esposas de ministros e outros possíveis apoiadores estratégicos.
Esse nível de irracionalidade e falta de compromisso com a população é uma regra quase imutável para os governantes, então como esperar algo diferente deste governo, que até agora não demonstrou ser diferente de nenhum outro quando se refere a beneficiar a si mesmos e aos seus aliados?
Uma coisa não dá para dizer que é mentira, mesmo vindo de uma governo que tem como modus operandi o fake News, não tem dinheiro para todos os gastos, os justificáveis e os que bancam mordomias imorais.
O que podemos e devemos perguntar é, vai cortar as viagens de jatinho da FAB para os ministros, vai cortar o décimo quarto e décimo quinto salário dos deputados, vai cortar a isenção fiscal para os planos de saúde, que são para poucos ou vai cortar os recursos do Sistema Único de Saúde, que são para todos?
Nós que defendemos o Sistema Único de Saúde com Universalidade e Integralidade, ficamos pessimistas quando ouvimos esse tipo de discurso dos governantes, ainda mais quando analistas políticos que vivem de costas para a população estão aplaudindo.
É provável que não serão os juízes, os ministros, deputados e senadores, que irão perceber o que significa não gastar mais do que se arrecada. Quem também não deverá perceber são os comentaristas políticos da grande mídia e nem os operadores de mídias alternativas, pagos com dinheiro público para falar bem de qualquer coisa e tentar fazer mentiras virar verdades ululantes.  

Já a Dona de Casa, exaltada na fala de jornalistas ignorantes e sem compromisso com a população, será a primeira a perceber que não gastar mais do que se arrecada significa precarizar ainda mais  os serviços públicos de saúde, de educação, limpeza pública e muitos outros. Só para começar.

[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

16 novembro 2018

A ESTÉTICA DO VARAL


Em Porto Felício. Ernande, 2018.



Ernande Valentin do Prado



Dois dias depois do enterro de meu pai, eu e minha mãe estávamos sem fazer nada, logo depois do café da manhã em Porto Felício, às margens do Rio Paraná. Para espantar as lembranças recentes e tocar a vida, ela foi lavar roupa, enquanto o tempo se recusa a passar no ritmo normal.
Algumas peças de roupa ela esfregou com as mãos, outras colocou simplesmente na máquina, depois torceu e colocou as roupas limpas em um recipiente de plástico retangular, bem grande, para levar ao varal.
Eu olhava a água do rio correr, o vento parado que nem chegava a chacoalhar as folhas da Imbaúba em frente da casa, o cachorro latir.
Para não ficar só contemplando o nada travestido de paisagem rural já bastante nostálgica, disse:
̶ Vou pendurar essa roupa no varal.
Desconfiada, minha mãe questionou:
̶ E você sabe pendurar roupa no varal?
Sem saber que existia um jeito certo de pendurar roupa no varal, respondi com toda minha ignorância:
̶ E não é só esticar e prender a roupa com um pregador?
̶ Não...
Disse minha mãe em tom de quem sabe algo que precisa ensinar ao filho, embora ele já devesse ter aprendido, pois não é mais nenhuma criança.
̶... primeiro pendura as camisas, depois as  camisetas...
̶ E por que não posso só ir pegando e pendurando, sem nenhum cuidado?
Perguntei eu, desconsiderando totalmente que a boniteza é fundamental, como teria dito Vinicius de Morais se tivesse lido Paulo Freire.  
Minha mãe, que não leu Paulo Freire e provavelmente nem Vinícios, apenas respondeu, o óbvio que o filho ignorava:
̶ O varal fica feio.
[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]


12 setembro 2018

TCLE

Ilustração: Pawel Kuczynski


Os pais sentam no escritório, o médico está por vir , a mãe segura o bebê recém nascido com força enquanto embala num ritmo que é mais para tranquiliza-la do que para tranquilizar o bebê, não fazem nem 48hs que ele nasceu. Eles postergaram ao máximo essa decisão. No hospital tudo parece áspero, as paredes azul claro, as janelas para um mundo quente e impossível de um ano quase impossível: 2084. A mesa branca áspera separa a cadeira dos pais e a cadeira do médico. Tudo precede a decisão que ainda não foi tomada.

O médico abre a porta dos fundos do consultório sem bater nem avisar, tem certas coisas que nem o tempo resolve, o que faz o homem e a mulher darem um sobressalto, por sorte o bebê não acordou, mas os olhos da mulher já usaram esse pressuposto para encherem de água. O médico de camisa sem botões, a mais nova modernidade desta era e uma calça super slim também da mais última moda. Ele tem um sorriso grande olha com comoção para os pais falando: 

- Senhor e senhora Silva, bom quase já não acontece mais nos dias de hoje, mas vejo que vocês estão em duvida em relação ao termo de consentimento livre e esclarecido e colocam em risco o futuro do filho de vocês.

O pai tenta falar mas falha a voz:

- É-é-é que não estamos certos se a colocação do implante é uma boa ideia. 

O médico olha para eles: 
- Qual é o medo de vocês?

A mãe fala:
- O implante parece ser seguro, mas temos medo que o nosso filho possa também ser controlado por ele.

O médico então segue:
- Em relação ao procedimento é extremamente seguro, cerca de 45 minutos e o, como é mesmo o nome dele? - e olha os formulários - Ah sim o Gabriel, poderá desfrutar de uma vida normal com acesso a informação direto no telencéfalo dele, basta pensar para fazer as conexões. A grande vantagem é que quanto menor a pessoa mais facilmente se adapta a transformação. Eu por exemplo coloquei o implante com três anos apenas e precisei de pelo menos toda a minha infância para lidar bem com ele. - os pais assentem com a cabeça, o médico faz mais uma observação: Vejo que vocês decidiram por não usar o implante.

O pai diz ajustando o óculos tecnológico que busca informações e interage com a lente em sua Iris enquanto escuta o médico:
- Não, na nossa época o governo não fornecia gratuitamente como agora. Nos mantivemos como Androids tipo 1. 

O médico diz:
- Ah sim, certamente, mas então seguindo a grande vantagem é que todas as crianças agora serão muito mais competitivas e o filho de vocês não conseguirá acompanhar o nível educacional se não colocar o implante. Vocês poderão dar um futuro para o filho de vocês. Se não ele será um excluido digital, como já existem muitas crianças em países menos desenvolvidos.

A mãe diz:
- Sim, estamos acompanhando as propagandas na nossa retina. 

O médico segue:
- Ele poderá ter acesso às informações instantaneamente, e irá processa-las muito mais rapidamente, com a energia do cérebro dele e irá desenvolver-se muito bem.

O pai pergunta:
- E qual a sua opinião sobre a Síndrome de Excesso de informação?

O médico diz:
- Aguarde um segundo vamos conectar nossos dispositivos e vou mostrar algo para vocês.

Uma sequência de imagens envolvendo os pais e a criança começa a aparecer na retina dos pais e do médico, e os implantes cocleares começam a vibrar com as informações sobre o futuro da criança, cuidados para evitar a síndrome do excesso de informação e claro, no final, eles aparecem abraçados e felizes com um possível Gabriel já crescido, que já muito se assemelha ao que será o real Gabriel, pois todos os bebês agora tem leitura de código genético fenotípica prévia. É claro que o logo do laboratório BB aparece no final. 

- Perfeito não? - Diz o médico - para vocês concordarem com isso basta assinarem esse termo de consentimento livre e esclarecido digital. 

- Está é uma bela demonstração de amostra grátis do laboratório BB - diz o pai. O médico sorri e pega uma caneta digital, um ato simbólico nos dias de hoje, que estava no bolso e estende para a mãe, não sem antes dizer - pelo futuro do seu filho. 


Abraços que pousam,
Mayara Floss

22 junho 2018

METODOLOGIAS ATIVAS: ALGUMAS OBSERVAÇÕES IMPERTINENTES

Imagem capturada na internet, 2018.
Ernande Valentin do Prado


Ser professor de javanês no Brasil do século XXI, continua tão fácil e simples quanto no tempo de Lima Barreto e o seu: “O Homem que falava javanês”, principalmente porque pouca coisa mudou, ou seja,  mais de cem anos depois e entre nós quase ninguém fala javanês. A diferença é que agora o javanês caiu nas graças do mercado.
O moderno ensino de javanês foi reintroduzido no Brasil a partir do interior de São Paulo e Paraná. Os primeiros mestres importaram suas técnicas da Universidade de McMaster, no Canadá e da Universidade de Maastricht, na Holanda. Aprender e, consequentemente ensinar essa língua ou a partir dela, inicialmente era difícil e demorado. Exigia-se vencer preconceitos e costumes arraigados nos estudantes e principalmente nos professores. Dedicação, esforço, acompanhamento constante, eram fundamentais, o que não combina com as exigências e o ritmo do mercado atual.
Para contornar esse problema desenvolveram-se novas técnicas que prometem ensinar o javanês, seus diferentes dialetos e sotaques, seja o clássico, o javanês falando na rua e até o javanês do oeste de Java, um dos mais difíceis, em poucas e rápidas aulas, geralmente em treinamentos de início ou fim de semestre.
As técnicas usadas pelos  modernos consultores e mestres em javanês são importadas de diversas instituições globalizadas e não só do Canadá e da Holanda, como no século passado, o que garante muita flexibilidade em relação ao javanês que se ensinava anteriormente.
E por que o javanês está tão na moda?
Uma das causas dessa tendência foi promovida pelo Ministério da Educação e da Saúde, ambos só têm autorizado a abertura de novos cursos, sobretudo de medicina, se o javanês for a língua oficial. Isso tem motivado certa correria das instituições, sobretudo privadas, para encontrar treinadores e consultores em javanês para habilitar sua mão de obra. E, se esse é um idioma bom para os cursos de medicina, deve ser bom para todos os outros cursos, esse parece ser o raciocínio lógico dos gestores educacionais.
Outro ponto que motivou as instituições de ensino superior a capacitar seus empregados em javanês é o fato do Ministério da Educação (MEC), tendo como suporte a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, exigir capacitação dos professores, sobretudo em javanês. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) tira ponto das instituições que não oferecem capacitação aos seus professores e com menos pontos elas perdem mercado. Simples assim.
Oferecer capacitação é uma coisa que as instituições nunca deixam de fazer, nunca. Pode-se questionar se funciona, se é feita de modo satisfatório, com tempo e métodos adequados para que ocorra o processo de ensinar e aprender. No entanto, essa questão é secundária, uma vez que o MEC parece não ter como avaliar se as capacitações são eficazes. Então o raciocínio dos gestores é simples, no final ou no início do semestre coloca no calendário acadêmico os treinamentos. Pode até não ser eficiente, mas garante pontuação nos índices avaliativos.
Divulgar os índices avaliativos das instituições parece tão importante, para captação de novos clientes, quanto divulgar o número de vagas no estacionamento, ao menos nas instituições privadas.
A oferta de treinamento em javanês costuma garantir boas notas para as instituições e como não existem tantos professores desse idioma dando sopa por aí, muitas vezes não é possível escolher. E, talvez por causa disso, o ensino de javanês está se constituindo em uma verdadeira torre de babel.
Grande parte dos diplomados não conseguem conversar entre si usando o idioma aprendido. Falantes de javanês de instituições públicas não conseguem conversar com falantes de instituições privadas, embora todos tenham certificados coloridos, impressos em bom papel e com notas excelentes, entre nove e dez em fluência verbal.
Na maioria dos treinamentos que presenciei, o comportamento de parte dos treinadores parecia demonstrar que esperavam que as técnicas  importadas, por si só, pudessem garantir a qualidade e a credibilidade do processo de ensino, afinal de conta foram pensadas pelas maiores e melhores cabeças em educação do mundo, na opinião deles.  O contraditório é que, na maioria dos casos, o javanês não é ensinado usando-se o javanês. Quase sempre usa-se o idioma expositivo de sempre (ou bancário, como denomina Paulo Freire).
Depois de tantos investimentos por parte das instituições de ensino em capacitar sua principal mão de obra, será que ela está conseguindo aprender e usar o javanês, segundo a gramática e a ortografia apropriada?
Será que para utilizar o javanês, basta capacitar os empregados ou a instituição precisa fazer outros investimentos, que nem sempre são feitos?
Certa vez, em um desses treinamentos de javanês de fim de semestre, ouvi uma colega dizer que iria aproveitar as férias para viajar ao Texas, onde, segundo ela, iria treinar a fluência de seu javanês com as pessoas na rua.
Ela não se deu conta de que não se fala javanês no Texas e que lá é tão somente um desses centros modernos de ensino de javanês. A colega não ter percebido o absurdo de sua fala é até aceitável, mas o que dizer do instrutor/consultor/treinador de javanês que achou que a ideia era ótima e que ela deveria mesmo fazer isso?
Deve existir bons instrutores de javanês, não há dúvidas, e este idioma parece realmente interessante em alguns lugares. No Texas não parece ter muita utilidade, não ao menos para falar com as pessoas na rua, mas vá saber.
Uma curiosidade, que a maioria dos treinadores de javanês parecem desconhecer completamente, no Brasil e em quase toda América Latina, há tradição em falar e ensinar através do javanês. O dialeto que se fala por aqui parece ser mais apropriado à anatomia linguística e cerebral de nosso povo, além disso é melhor adaptável aos diferentes sotaques e realidades locais das diferentes regiões. No entanto, parece ser mais interessante importar outros dialetos, ao menos para o mercado de ensino.
Importar modismos alienígenas é uma prática que nunca sai de moda na educação brasileira. E qual será a responsabilidade dos importadores na qualidade do nosso sistema de ensino?

[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]


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